Crónicas

 

 

Pelo:

Ex-Furriel Miliciano

Ramiro Daniel Pedrosa Viegas

 

A CHEGADA ao BELIZE

 

A C.C.S. sendo uma Companhia de Comando e Serviços, onde se encontrava instalado todo o Comando do Batalhão, serviços crípton (Secretos), serviços de secretaria geral, secretaria da Companhia, serviços de manutenção, pelotão especializado de minas e armadilhas, do qual eu fazia parte, em princípio seria uma Companhia, vocacionada para o apoio logístico às restantes Companhias que integravam o Batalhão, os dispositivos operacionais, patrulhamento na área desta, era assegurada pela C.CAÇ 2656 que tinha sido deslocada do Chimbete para o Belize.

Na vila do Belize, existia também o 3º pelotão da Companhia de Engenharia 3479, onde se encontravam diversos camaradas de Peniche, o José Maria Couto Franco, filho de uma Senhora que vendia, fruta e legumes, no mercado de Peniche a quem chamavam “Maria dos Caracóis”, O Fernando francisco Pacheco que morava nos Remédios e Joaquim Manuel da Silva Pata, filho do mestre marítimo “Joaquim Nosso”.

O Comandante do Batalhão, desde logo, pretendeu assumir um protagonismo de construtor civil, não olhando a meios nem a formas para os atingir. Nesta perspectiva entendeu que usando o pelotão da Companhia de Engenharia esta, seria uma das formas de conseguir os seus objectivos, pretendendo inclusivé intrometer-se na actividade deste pelotão sediado na Vila do Belize mas, em quartel próprio o que, não foi possível em virtude do Capitão e restantes elementos de comando desta não o permitir. Estabeleceu-se de imediato uma rota de colisão de poderes, entre o Comandante do Batalhão e os Comandos do 3º pelotão de Engenharia.

Os camaradas deste Pelotão de Engenharia, eram frequentadores assíduos do nosso quartel até ao momento em que, o Comandante do Batalhão os proibiu de entrar no quartel, inclusive para irem levantar as refeições confeccionadas na cozinha da C.C.S.

As refeições vinham, numa viatura da C.C.S. até à portaria do quartel, para ser transferida para a viatura do Pelotão de Engenharia 3479. Cada vez mais se adensava em mim, a confusão do regime militar pois, num contexto de guerra, ao contrário de uma existência da partilha e união, “A divisão era um estatuto instalado no Comando do Batalhão”.

Resultado deste ambiente, criado pelo  Comandante do Batalhão em relação ao 3º pelotão da Companhia de Engenharia, reforçou a minha revolta interior desta atitude discricionária e prepotente do Comandante do Batalhão. Muitas das vezes, pessoalmente saia do quartel da CCS e ia conviver com os camaradas da Companhia de Engenharia também, com o objectivo de demonstrar a estes camaradas que os militares das Companhias não estavam de acordo como a postura e o comportamento que o Comandante do Batalhão tinha para com estes. O convívio era diversificado mas, na maioria das situações envolvia sempre um jogo de futebol pois, o quartel da CCS não dispunha desta infra-estrutura que, permitisse aos militares daquele aquartelamento de fazer exercícios físicos ou praticar outros tipos de actividade desportiva.

É importante prestar um agradecimento ao Comandante da Companhia de Engenharia 3479, Capitão José Farinha Albino, ao Alferes Carlos Marques Patrício, aos Furriéis Milicianos Carlos Alberto Lopes, António Manuel da G.P. Correia e Joaquim António Dinip Teles Machado bem como, aos camaradas naturais de Peniche, quando das férias do Comandante do Batalhão à metrópole, com os meios e equipamento que esta dispunha, conseguiu-se fazer um campo de futebol e preparar uma parte do terreno para se fazer agricultura que, nos serviu para muitas das vezes fazermos os nossos petiscos com produtos hortículas produzidos pelo Ex- Furriel Maurício.

Esta obra, veio criar-me alguns dissabores, na questão relacional com o Comandante do Batalhão pois, ao contrário de tudo quanto este pretendia da Companhia de Engenharia, usar os seus recurso humanos e materiais para efectuar as suas obras, o que não conseguiu, quando este soube que fui eu “Furriel Miliciano Viegas” o autor de tal projecto, com a colaboração da Companhia de Engenharia, obviamente com o consentimento do 2º Comandante do Batalhão, esse sim com mais abertura, ao contrário do Comandante do Batalhão, dialogante com os seus subordinados, preocupado com as condições de bem estar dos mesmos, a partir daquela data a nossa relação não era a melhor contudo, procurei sempre evitar situações que pudessem colocar-me numa posição menos conveniente deixando bem definido perante o Comandante do Batalhão que, pessoalmente” Nunca pretendi ser graduado mas, ao fazerem da minha pessoa graduado como tal tinha, deveres, obrigações militares a cumprir mas, como graduado não aceitava humilhações fosse de que natureza fosse.

 

  

Pelo:

Ex-Furriel Miliciano

Ramiro Daniel Pedrosa Viegas

 

A VIDA NA C.C.S.

 

A vida na C.C.S. era pacata, sossegada e segura desde que, não existisse nenhum espírito de aventureirismo. Ainda no “Uíge” tinha assumido uma estratégia de sobrevivência, num quadro de possível intervenção em combate. Saídas do quartel, só o obrigatório portanto, máxima permanência no interior deste. Enquanto estive como responsável pela secretaria da C.C.S., a vida militar resumia-se a um ritual corrente do movimento administrativo. O Comandante do Batalhão, muito cedo demonstrou a sua estrutura desumana e de falta de respeito pelo ser humano, não só pelo acto assumido ainda durante a viagem em pleno alto mar quando, retirou a guitarra ao furriel Manuel “Rodinhas” quando este procurava animar as tropas tocando e cantando algumas canções mas, que naquele dia se lembrou de cantar uma das canções emblemáticas “Pedra Filosofal” cuja letra tocava no intimo dos jovens, mais esclarecidos politicamente, que ali se encontravam obrigados a servir a Pátria, como também impedindo qualquer soldado de viajar consigo no jipe, preferindo a companhia de dois cães, obrigando os soldados a escoltá-lo, a ele e aos cães, noutra viatura. Apesar destas atitudes arrogantes e prepotentes do comandante do batalhão, tudo decorria com normalidade, apesar do Comandante do Batalhão, a quem os soldados, mais tarde já no Belize, apelidaram de “J.Pimenta” que, pelas obras que este pretendia efectuar no interior do quartel, obrigando os soldados do meu pelotão, debaixo de um sol tórrido e escaldante, a um trabalho de total escravatura na abertura do caboucos, levantamento de paredes e abertura de valas sem o mínimo de respeito pelo ser humano.

O grupo de Furriéis e Sargentos da C.C.S. e da C.CAÇ. 2656 eram efectivamente um grupo formado por homens com “H” de uma humildade, faternidade, solidariedade humana que eu nunca tinha me apercebido, talvez resultante da situação em que nos encontrávamos, era necessário que existisse uma forte união e coesão no grupo mas, a actividade deste grupo não estava circunscrito só a estes, de uma forma ou de outra era alargado aos soldados e aos alferes das duas companhias, todos tinham entrada na messe dos Sargentos, para conversarmos, bebermos, jogar a qualquer jogo, enfim, confraternizar até que, numa noite de confraternização de Sargentos, Soldados e Alferes na nossa messe, entra o Comandante do Batalhão, com o seu ar bonacheirão e prepotente dizendo, “Vamos acabar com esta palhaçada” não quero misturas de graduados com soldados nem de Oficiais com Sargentos. Foi uma noite terrível, cada um se dispersou, saindo da messe e dirigindo-se para os respectivos alojamentos contudo, aos poucos, os Sargentos e Furriéis, iam paulatinamente regressando de novo à messe, aparecendo também um ou outro Alferes de mente mais aberta, lembro-me com muita frequência do Alferes Corte Real, visitante assíduo e camarada do seu camarada. Esta atitude do comandante do batalhão, reforçou ainda mais o nosso desejo de manter a coesão e os princípios que defendíamos de igualdade no interior do quartel e, de uma forma sorrateira, apesar da proibição dada pelo comandante de batalhão, por lá aparecia com frequência os Alferes Corte Real e bem como outros para confraternizar com os Sargentos e Furriéis na messe destes mas, a visita do comandante era constante e o aviso também, até de aplicação de medidas mais severas se fosse necessário. Claro que, todos os que estávamos convictos da importância que tinha a continuidade deste convívio e o seu contributo para a coesão do grupo, com o objectivo de minimizar e aceitar a distância a que nos encontrávamos de todos aqueles que deixámos na incerteza na metrópole. Assim continuámos teimosamente a encontrar-nos e a fazer as nossas tertúlias.  

Numa manhã, entra pela secretaria, o comandante do batalhão solicitando-me que lhe entregasse 500.000$00 (Quinhentos mil Escudos) para ir a Cabinda comprar tubagem e outro material para abastecimento de água ao quartel. Peguei em duas folhas de papel branco com papel químico entre ambas e comecei a fazer o respectivo recibo de saída do dinheiro dos cofres da secretaria. Quando apresento o recibo para o comandante assinar, este interroga-me “senão o conheço sou o teu comandante” estás a passar um recibo do dinheiro que estou a pedir?, retorqui, que o conhecia perfeitamente mas, as regras de contabilidade que eu seguia partia do princípio que dinheiro saído da caixa tinha que ter um comprovativo assinado de quem o tinha levado. O comandante não concordando com esta minha atitude saiu porta fora resmungando, como era seu hábito. Se já tínhamos anteriormente tido alguns desentendimentos, por este tratar incorrectamente os Soldados do meu pelotão, a partir daquele dia a nossa relação ficou deteriorada e, portanto fiquei sempre a aguardar pelo que iria surgir no dia seguinte.

Apesar de termos todos os dias conhecimento de algumas situações que ocorriam na área de intervenção do batalhão, bem como nas diversas companhias que o constituíam, a Companhia de Caçadores 2656, sediada no quartel da CCS no Belize, todos os dias saia um pelotão para fazer patrulhamento na área, num período nunca inferior a três quatro dias, sendo esta actividade rotativa e em série. Contudo, os dias foram passando, o nosso dia a dia ia decorrendo normalmente, quando nos cruzávamos no interior do quartel havia da minha parte a preocupação de o cumprimentar de acordo com os princípios estabelecidos nas leis militares, não fosse daí surgir alguma retaliação. Até que um belo dia, é colocado um Primeiro Sargento para chefiar a secretaria da Companhia, fiz a transferência de todo o espólio material e financeiro e, a partir desse dia, julgava eu que iria ser um descanso.

Contudo, durante o período que passei na C.C.S. entre a insegurança e os constantes desacordos com o comandante do Batalhão, tinha de encontrar um tempo para decomprimir o que muitas vezes passava pela prática desportiva, tendo integrado a equipa de futebol da Companhia, também ia até ao Pelotão da Companhia de Engenharia 3479 para jogar futebol com os camaradas desta unidade.

Tudo seria um engano. Na zona operacional de intervenção do Belize, em determinada altura, numa picada de acesso dos nativos desta zona, ao Congo, pelo facto dos terroristas colocarem minas antipessoais nos trilhos utilizados pelos nativos daquela zona, quando se deslocavam para o Congo para efectuar as suas transacções, faleceram diversos nativos.

A C.Caç 2656, composta por militares Atiradores, não tinha especialistas em minas e armadilhas. Em virtude destas ocorrências, o Comandante do Batalhão resolveu, como especialista em minas e armadilhas, enviar-me integrado em dois pelotões desta Companhia, efectuar uma operação de desminagem dos trilhos identificados entre as povoações do Luáli – Quissóqui – Gunda antes do rio Luáli na fronteira com o Congo Brazzaville.

 Foram duas semanas ausente do quartel, os pelotões eram constituídos pelos Soldados e respectivos Furriéis. Os Alferes infelizmente nessa altura encontravam-se todos de baixa médica. Foi uma experiência no terreno que me marcou bastante. Durante esse período decorreram um conjunto de situações militares que não vale a pena desenterrar contudo, após essas duas semanas e, quando cheguei ao quartel no Belize, houve entre a minha pessoa e o Comandante do Batalhão um desentendimento sobre a operação que este, decidiu que eu retoma-se de imediato com outros dois pelotões e pelo mesmo período de quinze dias.

Chegado desta segunda operação, a sua decisão foi destacar-me para a C.CAÇ 2657 sediada no Caio Guembo.

 

               Registo durante uma paragem na Povoação do “Quissóqui”

  Ex-Furriéis Milºs. Viegas, Moreira e Ilídio

 

Ex-Furriéis Milºs. Moreira, Almeida e Viegas

 

                                                                    Ex-Furriel Milº. Viegas com a filha do Soba da Vila

 

 Travessia do Rio Bilize após a Povoação de Gunda

 

Esta operação teve um período de duas semanas, Foi uma experiência no terreno que me marcou bastante quer pela relação humana existente em todo o grupo de intervenção quer pela forma cordial como as populações nos recebiam.

Durante o  período que decorreu, esta operação, houve um conjunto de ocorrências que, a esta distância no tempo, não vale a pena desenterrar contudo, após essas duas semanas, quando cheguei ao quartel no Belize, houve entre a minha pessoa e o Comandante do Batalhão um desentendimento sobre a operação tendo este, decidido que, eu fosse destacado para a Companhia de Caçadores 2657, com base no Caio Guembo. 

Estava confirmada o fim da minha permanência na C.C.S., apesar de por vezes ser forçado a vir ao quartel do Belize, no cumprimento estrito de obrigações militares.

 

Pelo:

Ex-Furriel Miliciano

Ramiro Daniel Pedrosa Viegas

 

 O MEU LOUVOR

 

Todos estamos bem recordados da estrutura da nossa “Caderneta Militar”. Entre os elementos de identificação, nº de matrícula, classe etc... também consta, entre diversos o registo criminal e disciplinar e prémios, condecorações e louvores enfim, tda uma panóplia de situações que podiam ocorrer a qualquer um mancebo no serviço militar.

Quando fui incorporado, em função de informações dadas por outros camaradas que tinham passado pela vida militar, o único objectivo que deliniei com clareza foi, cumprir escrupolosamente com as ordens emanadas e, sobretudo procurar atingir uma classificação na especialidade que me pudesse livrar de ir para o ultramar. Se assim foi definido assim, foi alcançado atingindo a segunda melhor pontuação nacional da minha incorporação.

Apesar do esforço, o objectivo de “Não ser mobilizado” falhou pois acabei por ser integrado no Batalhão de Caçadores 2904. Contudo durante a minha permanência neste Batalhão procurei sempre cumprir com as minhas obrigações militares, respeitando todos os elementos que constituiam o Batalhão mas, nunca deixando de ter uma conduta na situação de graduado construído pela estrutura militar.

Tendo desempenhado funções que se encontravam fora do âmbito da minha formação militar (Chefiando a secretaria da C.C.S.) quando fui destacado para a C.Caç. 2657, foi no âmbito das competências militares aduiridas quando da formação de Sapador. Comecei por iniciar a construção de uma ponte e, posteriormente em função da política ao Governador de Cabinda, era necessário construir três Postos Sanitários nas Aldeias de “Bitina”,”Kipondo” e “Sanda Massala”.

Para a construção destes Postos Sanitários fui destacado para assumir a sua construção. Esta intervenção exigia que fosse deslocado da C.C.S. elementos do pelotão de sapadores para o desempenho das suas funções militares neste âmbito contudo, mais uma vez o Comandante do Batalhão, desautorizando o Comandante da Companhia (C.C.S.) não liberta os militares pois este encontrava-se a utilizar estes para actividades sob a sua orientação.

A construção destes Postos sanitários só foi possível com a disponibiliade do Comandante da Companhia 2657 “Capitão Leonel de Carvalho” e dos seus subordinados que sempre estiveram disponíveis para este trabalho árduo e duradouro pois, foram muitos meses que levámos a construir estes Postos Sanitários. Neste percurso ainda ocorreram algumas peripécias com o Comandante do Batalhão que foram ultrapassadas com o recurso aos meios disponibilizados pelo 3º pelotão da Companhia de Engenharia 3479 seediada no Belize.

Terminada esta campanha no Caio Guembo, por solicitação do Governador de Cabinda fui destacado para esta cidade para construir uma Escola Preparatória num terreno localizado nas traseiras do B. Caç 11 em Cabinda. Nesta cidade encontrava-me sob o controlo militar do Comando de Sector apesar do apoio alimentar e de instalações se encontrar no B.Caç 11.

Após a conclusão da Escola, regressei à C.C.S. no Belize. O Comandante da Companhia, Capitão “Rocha Santos” considerou que o serviço prestado à comunidade pela minha pessoa, e pelo Ex- Furriel Miliciano “Henrique António Martinho Malheiros” na construção de pontes na zona de intervenção da C.Caç. 2657, foi apresentar ao Comandante do Batalhão uma “Proposta de Louvor” para ambos. Para espanto do Capitão Rocha Santos e da minha pessoa, o Comandante do Batalhão dirigiu-se para nós e disse “Vocês os dois, precisam é de uma PORRADA e não de um louvor”.

Resultado final, louvor para o Ex- Furriel Miliciano “Henrique António Martinho Malheiros” e, para o Capitão e para mim, lá nos livrámos da “Porrada” já foi um bom prémio de reconhecimento.

 

Pelo:
Ex-Furriel Miliciano
Ramiro Daniel Pedrosa Viegas

O HOMEM DA LIBERDADE


O capitão “Joaquim L. da Rocha Santos” natural da freguesia de S.Lázaro – Braga, oficial do exército Português que, pessoalmente comecei a conhecê-lo quando da concentração, no Regimento de Infantaria nº 1 (RI 1) na Amadora, do Batalhão de Caçadores 2904 embarcando, no Navio “UIGE”, no dia 17 de Fevereiro de 1970 para a zona militar de Angola-Cabinda.
No R. I. 1 como Comandante da Companhia de Comandos e Serviços (C.C.S.) iniciaram-se os primeiros contactos e, desde logo me apercebi que estava perante um militar experiente e, de uma estrutura humana que, ao longo do tempo em que permanecemos em Cabinda (Belize), Vila onde ficou instalada a C.C.S. fui solidificando a opinião que eu tinha inicialmente.
Apesar de ter sido uma pessoa que, interiormente se debatia com inúmeros problemas alguns, com origem nas missões cumpridas anteriormente na África, em relação aos seus comandados mantinha um respeito e consideração enquanto cidadãos, nunca me apercebi da existência de uma atitude de prepotência e ou de humilhação para qualquer um dos seus subordinados.
Noutra crónica, tive a oportunidade de expressar quanto era sua preocupação em alertar, os subordinados da possibilidade da existência de algumas situações que, poderiam vir a trazer consequências graves quando, não fossem tomadas as medidas de prevenção adequadas. Pessoalmente e, pela minhas funções a chefiar a secretaria da C.C.S. recordo perfeitamente a esta distância em que escrevo esta crónica, o quanto este HOMEM muito cedo me abriu os olhos para os problemas que na estrutura militar podiam surgir caso existisse uma falha, de planeamento militar mas sobretudo, de natureza financeira.
Após, a minha passagem pela C.Caç. 2657 no Caio Guembo onde fui responsável pela construção de três Postos Sanitários nas Povoações de Bitina, Bamby Kipondo e Sanda Massala. Após a conclusão destes fui destacado para Cabinda a solicitação do Governador para ai construir uma Escola, acabada esta Escola, regressei à C.C.S. no Belize. O Comandante da Companhia, Capitão “Rocha Santos” considerou que o serviço prestado à comunidade pela minha pessoa, e pelo Ex- Furriel Miliciano “Henrique António Martinho Malheiros” na construção de pontes na zona de intervenção da C.Caç. 2657, foi apresentar ao Comandante do Batalhão uma “Proposta de Louvor” para ambos. Para espanto do Capitão Rocha Santos e da minha pessoa, o Comandante do Batalhão dirigiu-se para nós e disse “Vocês os dois, precisam é de uma PORRADA e não de um louvor”.
Resultado final, louvor para o Ex- Furriel Miliciano “Henrique António Martinho Malheiros” e, para o Capitão e para mim, lá nos livrámos da “Porrada” já foi um bom prémio de reconhecimento.           
No dia 1 de Abril de 1972, desembarcámos em Lisboa, vindo num Boeing da Força Aérea que,  após diversos voos sobre Lisboa situação, que uma grande maioria dos camarads se apercebeu, devido a uma avaria no tren de aterragem que não abriu, só vindoa ser aberto com a intevenção dos elementos da manutenção da Força Aérea que o fizeram abrir manualmente, aterramos em Figo Maduro e, daí fomos para o RALIS fazer o espólio situação que, para mim foi muito rápida pois nesse quartel deixei todo o vestuário militar que, apesar de ser pertença particular, não pretendia trazer para casa qualquer imagem do exército.
O Capitão “Rocha Santos” como lhe chamávamos, por questões administrativas tinha ficado em Cabinda foi aí que me despedi dele dizendo-me, que quando chegasse à metrópole pretendia continuar uma conversa que tínhamos tido diversas vezes sobre a possibilidade de eu continuar a carreira militar, tendo respondido para que esquecesse essa situação pois da cor verde eu só gostava da cor das camisolas do Sporting.
Decorridos dois anos após a nossa chegada, acontece o 25 de Abril. A Vila de Peniche, encontrava-se marcada no regime de então, pela existência de uma prisão de presos políticos. Para controlar a situação em Peniche, inicialmente foi destacada uma companhia que se encontrava no quartel da Figueira da Foz, tendo à entrada de Peniche, instalado todo o seu equipamento militar direccionado para o forte de Peniche (Prisão).

25 de Abril de 1974 - Capitão Rocha Santos da C.C.S. a prestar esclarecimentos à população de Peniche, na primeira entrada do forte de Peniche onde, ainda permaneciam os PRESOS POLÍTICOS

 

Ainda com o bicho da passagem por Cabinda, dirigi-me ao local e, instantaneamente debrucei-me sobre uma peça de artilharia ali montada procurando, através da respectiva mira saber para onde a mesma se encontrava dirigida ora, quando surge uma voz grossa e uma mão bastante firme puxando pela traseira do colarinho do casaco que vestia e me diz “Que estás a fazer” ao virar-me, encarei com o HOMEM que, dois anos antes me tinha despedido em Cabinda com o qual tinha tido uma relação militar e humana estreita. Foi um momento de alegria por ver que este HOMEM, muitas das vezes desprezado pelo comandante do Batalhão naquela hora, estava a cumprir uma parte daquilo que conversámos muitas vezes a sós “A LIBERDADE” e, naquele dia, apesar de não terem mantimentos, ali estava firme com todos os seus homens que o acompanhavam em mais uma tarefa na defesa da integridade moral de um Povo amordaçado por um sistema que, apesar deste esforço, não conseguiu alterar o rumo vindo a continuar o mesmo regime mas agora “Ditadura dos Partidos” talvez ninguém estivesse à espera deste desfecho mas, a situação actual (2012) era efectivamente o receio que este HOMEM sempre se preocupou nas conversas que tivemos.
Durante os dias de permanência desta unidade militar na entrada de Peniche, enquanto decorriam as negociações entre os militares e a unidade da GNR que se encontrava no interior do forte, fui estabelecendo contacto com o Capitão que comandava aquela unidade, com a convicção que se estava ali a cumprir um dos ideais que este HOMEM mantinha no seu espírito de um ser humano com muito valor mas que, foi muito mal compreendido.

"Este, foi o último contato que tive com este HOMEM, exigente, íntegro, Amigo do seu subordinado, lamento não ter tinho conhecimento do seu falecimento, por diversos motivos, vem muitas vezes à minha memória e, sei que onde ele esteja está a cuidar de todos aqueles de quem ele CONFIAVA".
Esta, foi a forma que eu encontrei para que as memórias não se apaguem sobretudo, quando defendemos causas de justiça e de direitos humanos.