Crónicas

    Pelo:

    Ex-Capitão de Infantaria

   Leonel de Carvalho

   Fotos e texto

 

 

Era a primeira vez que a tropa da Companhia de Caçadores se deslocava naquela região, há pouco aumentada a sua zona de acção. Da natureza do caminho a percorrer pouco se sabia, não havia cartas topográficas e o esboço existente, mal desenhado e impreciso, pouca confiança podia dar. Apenas se sabia que o terreno era muito acidentado, densamente arborizado e atravessado por inúmeros cursos de água, embora de pequeno caudal.

O objectivo de marcha no primeiro dia era a Sanzala "B...", mesmo junto à fronteira, havendo que percorrer até lá, um itinerário relativamente inseguro. A colu-na, de efectivo de dois grupos de combate, serpenteava ao longo do trilho na mata, ora trepando íngremes encostas, ora escorregando por outras menos inclina nadas. A progressão era lenta e cuidadosa, não só pelas dificuldades do percurso mas também pela possibilidade da existência de minas. Após quatro horas de marcha sob calor intenso, os rostos dos homens patenteavam bem o esforço desenvolvido, quais máscaras moldadas pelo cansaço e brilhantes pelo suor. Junto aos da frente, o guia Zacarias era o único a não apresentar sintomas de fadiga, de andar fácil e mascando descontraidamente um pedaço de noz de cola, para ele não pareciam existir dificuldades.

O Capitão, Comandante da coluna, manda fazer "Alto" e informa que vão estacionar durante uma hora que deverá ser aproveitada para o almoço. Chama à sua presença o guia Zacarias e pergunta-lhe se já está perto a Sanzala "B..." - "Estar" perto, "nosso" capitão! - Ah bom! ainda Bem!...

Após o almoço, voltam os homens a subir, a descer, a atravessar riachos e a suar... mais três horas são passadas e é ordenado mais um "Alto". O Alferes médi-co, que a seu pedido também seguia na coluna, chega-se junto ao Capitão e com ar fatigado e apontado o guia, exclama:

- Meu Capitão! pergunte aí a esse tipo o que é que ele entende por "perto!..."

- Oh Zacarias! - chama o Capitão - Então, ainda estamos muito longe?

- "Ainda", nosso Capitão!

- Olhe, doutor, pelos vistos ainda temos de palmilhar mais uns kilómetros...

- Mas que raio d´azar! - desabafa o doutor.

A tropa retoma a marcha e meia hora depois, para espanto do capitão, a Sanzala de "B" é atingida.

- Oh Pereira! vai-me já chamar o Zacarias! - Ordena o Comadante da Coluna ao soldado mais perto.

- Pronto! "nosso" Capitão - apresenta-se o guia.

- Então, grande troca tintas?! Quando estamos longe dizes que estamos perto, quando estamos a chegar, dizes que estamos longe! Tens estado a gozar comigo ou quê?! Toma cuidado com as informações que dás, senão zangamo-nos! Estás agora a perceber, meu trapalhão das dúzias ou não?

- "Ainda", nosso Capitão! - responde o Zacarias com ar surpreendido, abanando negativamente com a cabeça.

O Capitão fica momentaneamente perplexo com a resposta, mas  logo sorri divertido, ao compreender então o que o guia queria dizer. Não há dúvida de que houve um equívoco, a culpa  foi toda sua , pela maneira como fez a pergunta e aceitou as respostas. O conceito de longe  ou de perto é relativo e, o que é longe para si e para os seus homens poderá ser perto para um natural da região. Do mesmo modo e, atentando no deficiente português do bom Zacarias, já se devia ter apercebido que para este "Ainda" também quer dizer "Não".

 

 

   Pelo:

   Ex-Capitão de Infantaria

   Leonel de Carvalho

   Fotos e texto

  

  ATLETISMO: BASE DE PREPARAÇÃO FISICO-MILITAR 

   Pelo:

   Ex-Capitão de Infantaria

   Leonel de Carvalho

   Fotos e textO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pelo:

Ex-Furriel Miliciano

Ramiro Daniel Pedrosa Viegas

 

O meu destacamento para

a C.Caç 2657

 

Fui mobilizado no Batalhão de Caçadores 2904, na Companhia de Comandos e Serviços, integrado num pelotão de sapadores tendo, como Especialidade de Sa-

pador de minas e armadilhas. Como referi na crónica na C.C.S, a minha relação com o Comandante do Batalhão, desde a formação deste na Amadora não era a mais cordial.

Durante a viagem entre a metrópole e Angola, no Navio “Uige” ocorreram determinados factos que, por circunstâncias físicas não assisti mas, que me foi chegan do ao conhecimento através dos camaradas que partilhavam o camarote, nomeadamente quanto à postura do Comandante do Batalhão pouco recomendável  para com os subordinados.

Chegados ao Belize, em virtude de não ter sido colocado um Sargento na secretaria da C.C.S., fui obrigado a assumir as responsabilidades da secretaria. Foi no desempenho destas funções na secretaria da Companhia que a minha relação com o Comandante do Batalhão se agravou indo ao ponto de nos incompatibilizar-nos, face às exigências que entendia serem da sua exclusiva competência como Comandante do Batalhão e, as minhas competências enquanto responsável pelos serviços de secretaria da Companhia e garante de todo o funcionamento dos serviços administrativos desta bem como, na gestão financeira.

Desta incompatibilidade e, após ter sido colocado na C.C.S. um sargento para a secretaria, o Comandante do Batalhão entendeu que a solução a adoptar em relação à minha pessoa era efectivamente penalizar-me, integrando-me em pelotões da C.CAÇ 2656 em operações contínuas e, posteriormente decidiu efectivar a minha deslocação para uma Companhia Operacional.

Daqui, surge a minha deslocação para a C. Caç 2657. Apesar desta decisão ter aumentado ainda mais o meu espírito de revolta, esta foi positiva pois, a minha integração na C.Caç. 2657 foi uma golfada de ar fresco pois, a interacção com todos os elementos que constituiam esta Companhia foi a melhor, desde o seu Comandante até ao Soldado, sem dúvida no meu trajecto militar foi aquela que maior marca me deixou do saber: SER, ESTAR, PARTILHAR, num ambiente de guerra, dúvida permanente.

Não cabe aqui, a esta distância no tempo, de esclarecer determinados factos que ocorreram entre o Comandante do Batalhão e o Comandante da Companhia, “Ex-Capitão Leonel de Carvalho” sabendo este, o meu reconhecimento pessoal pelo apoio prestado enquanto permaneci sob o seu comando contudo, não quero deixar de enaltecer o carater, a verticalidade, o respeito, o seu humanismo em prol da minha dignidade enquanto militar mas acima de tudo de cidadão bem, por todos aqueles que estavam sob o seu comando.

Como todos sabemos, a zona onde a Companhia se encontrava era desconhecida, não havia cartas topográficas, os esboços eram pouco claros e imprecisos. Apenas sabíamos que o terreno era muito acidentado, densamente arborizado e, atravessado por imensos cursos de água embora, de pequeno caudal mas que, dificultava as nossas movimentações no terreno.

Foi, em consequência destas características do terreno que iniciei a construção de uma primeira ponte. Posteriormente, face à política de implantação de Postos Sanitários em algumas Sanzalas, fui destacado para a construção destes Postos Sanitários pré-fabricados. A construção destes Postos, trouxeram uma sobrecarga à C.Caç. 2657 pois, o Comandante do Batalhão não disponibilizou os recursos humanos, que existiam na C.C.S. no pelotão de sapadores para intervirem nestas acções. 

Mais tarde, por necessidade de melhorar os acessos e quebrar as dificuldades em atravessar os diversos cursos de água, foi também destacado para a Companhia o Furriel Miliciano Henrique Malheiros para, orientar a construção de inúmeras pontes construídas na zona de intervenção da Companhia. Para o desempenho destas funções é, colocado sobre esta Companhia mais um desafio ao empenho, dedicação de todos quantos se empenharam na construção destes equipamentos necessários e fundamentais para o bem estar das comunidades. Firmes e Leais, com algum apoio externo ao Batalhão nomeadamente do 3º Pelotão da Companhia de Engenharia 3479 sediada no Belize, que nos disponibilizou diverso equipamento para conseguirmos atingir o objectivo “Construção dos Postos Sanitários” nomeadamente, um compressor para podermos pintar os postos sanitários pois, com os duzentos pinceis que o Comandante do Batalhão nos disponibilizou e sem nenhum recurso humano do pelotão de Sapadores, conseguimos cumprir a nossa missão.

Os Postos Sanitários construídos foram nas Povoações de Bitina, Bamby Kipondo e Sanda Massala. Em cada uma das Povoações, onde se construíram os respectivos Postos Sanitários, ocorreram diversas passagens que, demonstram a “Estreita relação humana e o reconhecimento” dos naturais destas povoações nomeadamente em Bitina e Bamby Kipondo onde alguma parte da população, se disponibilizou para ajudar, dentro das suas limitações, na construção dos equipamentos. Em Bitina, o Soba fez-me uma proposta que, no contexto era tentadora mas, por questões de princípio, ética e moral não aceitei pois se, para ele era importante ter na sua Povoação um descendente do responsável que construiu o Posto Sanitário, para mim era indigno e imoral, deixar naquele território um ser que tinha sido gerado do meu sangue. Foi difícil convencer o Soba a abandonar esta ideia e, não fosse o acaso da minha namorada ter-me enviado uma foto de uma sobrinha recém nascida, que lhe mostrei como sendo minha filha, não tinha conseguido fazê-lo desistir da ideia.

A Povoação de “Sanda Massala”, localizada na fronteira do Kongo Brazza, dada a distância em que nos encontrávamos do quartel da Companhia no “Caio Guembo”, estacionámos num quartel que existia naquela povoação de “Antigos Terroristas integrados no exército Português, chamados de TE´S”, era visível que estes elementos nos eram hábilmente hostis sobretudo, quando entre o comandante daquela unidade e alguns dos soldados, conversávamos sobre actividade militar na Zona, uma vez que, do outro lado do rio, no Congo Brazza, existia uma estrada onde nós observávamos a olho nu, a circular em Land Rover com armas pesadas montadas, o “Inimigo”. Foi sem dúvida, o local que considerei mas inseguro enquanto estive a construir estes equipamentos.

Neste quartel, montámos uma cozinha para fazer as refeições pois, no início de cada semana, levávamos os mantimentos necessários para as confeccionar refeições estas, que também eram distribuídas pelos populares que nos ajudavam na construção do equipamento.

No que se refere à participação da população na ajuda possível na construção dos Postos Sanitários, na Povoação de “Sanda Massala” foi aquela onde tivemos maior dificuldade aqui, somente as crianças se disponibilizavam a ajudar, quanto aos homens e mulheres essas só vinham até junto de nós na hora da refeição que, por não participarem nas actividades não lhes era dada qualquer comida. Esta minha decisão, tinha como princípio uma atitude pedagógica,  na tentativa de trazer os homens e mulheres a participarem, dentro das suas possibilidades na construção de um equipamento que se “Destinava ao seu uso” contudo, enganei-me mas, a decisão de não dar qualquer refeição foi mantida até ao último dia.

Mesmo a esta distância, e as vicessitudes que decorreram entre a nossa saída do enclave de Cabinda (1972) e o presente, apesar de algumas mágoas e tristezas, relativamente aos camaradas que tombaram, todos podemos com dignidade dizer que saímos de cabeça erguida e conscientes que deixámos marcas positivas naquela zona, quer tenham ou não as populações reconhecido.

 

Pelo:

Ex-Furriel Miliciano

Ramiro Daniel Pedrosa Viegas

 

A Minha permanência na C. Caç 2657

 

A minha permanência na C.Caç. 2657 no Caio Guembo, apesar de ter sido para uma Companhia em zona altamente de risco e operacional, veio a servir de analgésico para conseguir suportar a distância de casa.

Era uma Companhia, onde se vivia sob um princípio fundamental num contexto de guerra que, era a “AMIZADE”, “COMPREENSÃO” e “TOLERÂNCIA” o sentir o outro como sendo ele próprio. Em virtude de todos os dias sair do quartel em direcção às povoações onde nos encontrávamos a construir os postos sanitários o meu, dia a dia era passado mais com os Soldados que comigo iam para esta missão. Foram muitas as dificuldades que todos tivemos que vencer para chegar às respectivas povoações, foi efectivamente uma aventura dadas as características do terreno, acidentado, densamente arborizado, < Não estivéssemos nós no coração da Mata do Maiombe > atravessado por inúmeros cursos de água, ainda sem pontes, o que dificultava ainda mais a progressão no terreno, foi um esforço com glória ali, deixámos parte da nossa juventude, ao serviço daquele Povo, por muito que se tente ainda hoje falar da “Colonização” como um período negativo, é importante que cada um de nós que por aquela terra de África passou, não se deixe embalar nestas afirmações, não permitindo que não respeitem todos aqueles, que por lá ficaram e os outros que, regressando deixaram as marcas de uma juventude que sabia “Partilhar” que deu tudo o que podiam apesar de, sabermos que na próxima curva podíamos ser ingloriamente abatidos.

Contudo, quando permanecíamos no quartel nomeadamente ao fim de semana, período de pausa na construção dos postos sanitários, o ambiente era tal que por vezes até nos alheávamos do local onde nos encontrávamos e da distância que nos separava entre aquele local e a nossa casa na Metrópole. As actividades na C.Caç. 2657 eram diversificadas, praticava-se futebol, salto em altura, salto em comprimento, atletismo. Era um ambiente familiar que hoje, ainda recordo com saudade aqueles momentos de convívio pois, quando nos encontramos nos convívios bienais são sempre recordados com um fervor, apesar do tempo que já é um pouco longínquo.

Apesar de ter sido nesta Companhia que tive a primeira vez o Paludismo e se foi complicado bem como, a filarise que me destruiu mais de 80% do meu fígado este, foi o melhor período do serviço militar que passei. Para memória futura quero deixar nesta pequena crónica os meus mais sinceros agradecimentos pelo acolhimento, enquanto permaneci na Companhia por todos os Homens que a constituíam, desde o Capitão até aos Soldados.

Ao Ex-Capitão, Comandante de Companhia, Leonel Jorge da S. Carvalho, quero expressar o meu mais grato agradecimento pelo seu contributo, no reforço da minha identidade, enquanto cidadão, naqueles momentos, em que só nós os dois tivemos a oportunidade de viver, quando confrontado com determinadas atitudes, arrogantes do comandante do batalhão, sem perfil e carácter para o desempenho de tais funções, assumiu determinadas posições com sabedoria e liderança que jamais irei esquecer. Obrigado pela sua partilha na formação humana que nos transmitiu.

 

Pelo:

Ex-Furriel Miliciano

Ramiro Daniel Pedrosa Viegas

 

O Meu destacamento para Cabinda

 

Cumprida a minha missão na C.Caç. 2657 no Caio Guembo, a solicitação do Governador de Cabinda, fui destacado para a Cidade de Cabinda para construir uma Escola Secundária.

Neste meu destacamento para Cabinda, fiquei agregado ao Comando de Sector, sobre o controlo militar do Governador de Cabinda contudo, fiquei nas instalações do Batalhão de Caçadores 11, cujo comandante, na data, julgo que era Tenente Coronel Pinto de Sousa que os soldados lhe chamavam “Cavalo Branco”. Para não variar, no período em que permaneci a construir a respectiva Escola, também tive algumas peripécias com o Comandante da B.Caç 11, por abuso de poder deste.

Como tinha uma equipa de naturais de Cabinda, a quem primeiro foi dada uma curta formação relativamente aos procedimentos da construção da Escola, em virtude das características destes, o método de trabalho não podia ser seguido na base de oito horas de trabalho. A seguir este método ainda hoje nos encontrávamos a construir então, optei por um método de trabalho que se pode designar “Por jorna” ou seja estabeleceu-se de comum acordo que em cada dia tinha que ser efectuado determinado volume da obra, acabado este volume de obra, terminava naquele dia a tarefa mesmo que, não se tivesse feito as 8 horas de trabalho.

Com este método, conseguiu-se libertar uma parte da tarde a todos quantos estavam integrados na construção da Escola, conseguindo-se a construção da Escola em tempo reduzido.

Dado que, a minha dependência militar se encontrava circunscrita ao Comando de Sector de Cabinda, na altura comandada por um Capitão que hoje não me recordo lamentavelmente o seu nome, pessoalmente tinha uma certa liberdade de circulação na cidade, sendo inclusive do conhecimento da Polícia Militar essa situação pelo que nunca fui abordado por estes quando em horas normais de actividade me encontrava a circular pela cidade.

Contudo, um certo dia no final da actividade na construção da Escola, resolvi ir a pé até ao aeroporto de Cabinda que ainda era bastante distante da Cidade. No trajecto, passávamos por diversos bairros e aconteceu que quando ia a passar na rua de acesso ao aeroporto vejo sair de uma casa o comandante do B.Caç. 11 com um Tenente, tentei passar despercebido de forma, a que este tivesse ficado com a sensação que eu não os tinha visto sair da referida casa mas, aconteceu o insólito, quando ouço uma voz “Oh Pá anda cá”. Após os cumprimentos formais, começou o interrogatório porque razão eu me encontrava naquele local aquela hora. Expliquei-lhe quem era o que fazia de quem dependia e que tinha autorização para me ausentar do quartel sempre que pretendesse claro, numa corresponsabilização com o desempenho das minhas funções. Este não aceitou os meus esclarecimentos mandou-me entrar para a viatura levando-me para o quartel. Durante todo o caminho só falava que ia levar “Uma Porrada” e uma “Carecada” tendo sido o próprio que me levou até à cadeira do barbeiro no B.Caç.11. Perante este acto de prepotência, exigi a intervenção do Comandante do Sector que, interveio de imediato colocando cobro à intenção descabida e despropositada. È evidente que as peripécias desta intervenção foram mais ricas no campo do militarismo e do poder, seria também mais uma crónica interessante de escrever mas, que vou poupar os camaradas que visitam este site de lerem mais acerca da postura de alguns que, tendo umas divisas sobre os ombros, no seu íntimo eram vazios de princípios e sentimentos.