Historial

 

Pelo:

Ex-Furriel Miliciano

Ramiro Daniel Pedrosa Viegas

 

Na C.C.S. por questões que desconheço, não foi integrado o Sargento responsável pela secretaria da Companhia, dada esta circunstância, fui nomeado para chefiar a secretaria da Companhia. Sendo a minha formação militar Sapador com a especialidade de minas e armadilhas, entendi, não ter lógica esta minha nomeação, procurando com todos os argumentos disponíveis recusar esta nomeação mas, o Capitão Rocha Santos, homem experiente e bem conhecido no meio militar, em tom paternal lá me foi dizendo que no sistema militar não podíamos ser assim tão incisivos na recusa de prestar os serviços que nos eram superiormente destinados, uma vez que, era até chegar em rendição individual um Sargento para o desempenho de tais funções. Perante tal situação não tive outra solução senão aceitar o desempenho da função de chefiar a secretaria da Companhia.

 

Contudo, este alertou-me para o cuidado que eu devia ter em conhecer profundamente todo o espólio pertencente à Companhia quer de bens móveis, quer de equipamentos e, sobretudo muito cuidado com os registos de qualquer verba que saísse dos cofres da Companhia. Sem saber bem o que o Capitão me queria objectivamente dizer, tendo em consideração a sua experiência face às diversas Comissões Militares que este realizou, fiz o registo da chamada de atenção. Começaram aqui os meus primeiros problemas com o funcionamento da estrutura militar e dos interesses obscuros instalados neste, os jogos que se efectuavam em volta dos tais recursos que, o Capitão me chamou a atenção pois, quando comecei a pedir os inventários sectoriais da Companhia, ninguém respondia com prontidão, protelando a sua entrega, perante tais atitudes, resolvi ir pessoalmente inventariar todo o espólio e estado dos equipamentos. Num parêntesis até recordo que quando chegámos, tínhamos uma arca frigorífica no bar dos Sargentos que não funcionava, o seu funcionamento era através de um sistema com a utilização do petróleo que, procedia ao arrefecimento das cervejas e coca-cola ali depositadas. Perante esta situação, solicitei aos serviços de manutenção que procurassem reparar a respectiva arca frigorífica e, dado que a mesma nunca mais era reparada, deitei as mãos à obra e fui pessoalmente fazer a respectiva assistência o que, sem grandes conhecimentos do funcionamento da mesma consegui colocar a mesma a trabalhar, foi uma festa que até deu para fazer o pino junto à arca, guardo como recordação uma fotografia tirada junto à mesma.

 

O quartel da C.C.S. apesar de ter uma área de terreno disponível no seu interior, cuja orografia era bastante irregular, não dispunha de uma área para a prática desportiva. Aproveitando a ausência do Comandante do Batalhão do quartel num período de férias deste, pedi autorização ao 2º Comandante do Batalhão para que, o 3º Pelotão da Companhia de Engenharia 3479 efectuasse as terraplanagens necessárias para fazer um campo de futebol e uma zona para cultura de produtos hotículas.

Esta obra foi entretanto realizada. Quando o Comandante do Batalhão chegou, deparando-se com aquela obra, ficou fulo pois não tinha autorizado tal obra, pior ficou quando soube que foi o Furriel Miliciano Viegas que, com a sua intervenção junto do 3º Pelotão de Engenharia, levaram a cabo tamanha obra. Foi o início do nosso desencontro relacional que se veio a arrastar durante o período em que estive na C.C.S.

 

Decorrido algum tempo depois da ocorrência da obra do campo de jogos, numa manhã, entra pela secretaria, o Comandante do Batalhão solicitando-me que lhe entregasse 500.000$00 (Quinhentos mil Escudos) para ir a Cabinda comprar tubagem e outro material para abastecimento de água ao quartel. Peguei em duas folhas de papel branco com papel químico entre ambas e comecei a fazer o respectivo recibo de saída do dinheiro dos cofres da secretaria. Quando apresento o recibo para o comandante assinar, este interroga-me “senão o conheço sou o teu Comandante” e, estás a passar um recibo do dinheiro que estou a pedir?, retorqui, que o conhecia perfeitamente mas, as regras de contabilidade que eu seguia partia do princípio que dinheiro saído da caixa tinha que ter um comprovativo assinado de quem o tinha levado. O Comandante não concordando com esta minha atitude saiu porta fora resmungando, como era seu hábito.

Se já tínhamos anteriormente tido alguns desentendimentos, por este tratar incorrectamente os Soldados na sua generalidade, sobretudo os do meu pelotão, a partir daquele dia a nossa relação ficou deteriorada e, portanto fiquei sempre a aguardar pelo que iria surgir no dia seguinte.

 

Apesar de termos todos os dias conhecimento de algumas situações que ocorriam na área de intervenção do Batalhão, nas diversas Companhias que o constituíam, a Companhia de Caçadores 2655, sediada no quartel da CCS no Belize, todos os dias saia um pelotão para fazer patrulhamento na área, num período nunca inferior a três quatro dias, sendo esta actividade rotativa e em série. Contudo, os dias foram passando, o nosso dia a dia ia decorrendo normalmente, quando nos cruzávamos no interior do quartel havia da minha parte a preocupação de o cumprimentar de acordo com os princípios estabelecidos nas leis militares, não fosse daí surgir alguma retaliação até que, um belo dia, é colocado um Primeiro Sargento para chefiar a secretaria da Companhia. Efectuei a respectiva transferência de todo o espólio material e financeiro e, a partir desse dia, regressei ao meu lugar no pelotão a que pertencia, julgava eu que iria ser um descanso.

 

ENGANEI-ME a perseguição e actos de prepotência sobre a minha pessoa iam surgindo diariamente com contornos muito esquisitos. A minha integração em pelotões da C.Caç. 2656 em patrulhamentos passou a ser um ritual. Recordo-me de uma operação, prevista para 15 dias, onde foram destacados dois pelotões da C.Caç. 2656, cujo objectivo era, desminar um trilho, que era utilizado pelo nativos da região para entar no Congo Brazza, nas suas trocas comerciais, onde tinham falecido alguns destes nativos por colocação de minas anti pessoais ai colocadas pelo inimigo.

 

Foi uma operação que ainda hoje a recordo pelo companheirismo e empenho de todos os militares nela envolvidos. Esta operação foi delineada com bastante rigor sobretudo, suportada pela informação confidencial prestada por um camarada que, conhecedor de todos os problemas que existiam no terreno, chamou-me a atenção para os perigos que existiam na área. A atenção foi redobrada até porque os dois pelotões enviados para esta missão eram somente constituídos por soldados, cabos e furriéis pois, os Alferes dos mesmos encontravam-se de baixa médica.

 

Talvez tenham existido factos que me foram marginais e que, eventualmente devam constar no “Historial da C.C.S.” aos camaradas que assim o entenderem fazer e ou corrigir o que se encontra escrito, agradeço o envio dos seus textos-fotos para o email ramiroviegas@gmail.com